não costumo repassar e-mails e outras coisas que me mandam pela internet, mas
desta vez não me contive. Diante da avalanche de bobagens de toda ordem e
agressões travestidas de "defesa da democracia" para atacar a candidatura
progressista em condições de ganhar já no primeiro turno, decidi mandar estes
dois artigos abaixo. O primeiro, de Marcos Coimbra, falando do desespero dos
que acreditam ser possivel alterar uma decisão pensada e consolidada da
maioria. O segundo, de Leonardo Boff, falando da grande mídia. Tenho um carinho
todo especial por este Leonardo. Devo a ele grande influência na minha
formação, quando na juventude assistia às suas palestras em Minas, na época da
Teologia da Libertação.
Um grande abraço a todos!!!
Lages
Por Leonardo Boff*
Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o
“silêncio obsequioso” pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e
torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca
Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares,
o que acelerou a queda do regime autoritário.
Esta história de vida, me avaliza para fazer as críticas que ora faço ao atual
enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser
tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de
idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está
havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota
eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a
candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de
fatos, a distorção e a mentira direta.
Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus
interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia”
mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob
tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da
Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão
cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a
serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o
povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e
fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa,
esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.
Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos,
editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta
autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado
com o chicote da palavra que humilha.
Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista.
Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande
tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a
Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o
mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem
meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do
peão é na fábrica produzindo.
Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e
Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada,
antiprogresssita, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se
reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o
reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes
nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus
direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a
pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar
que continua achando que lhe pertence (p.16)”.
Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os
pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor
do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascendente
como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo
devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o
Presidente de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.
Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram
conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados
de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e
de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública
somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o
povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a
formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à
ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras
fontes de informação e de opinião.
O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si
mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma
revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do
povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões
de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres
laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram
classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos
para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.
Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão social e distribuição
de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já
beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora
ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias
e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual
há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer
que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção
dos mais marginalizados.
O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora
e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que
assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica,
não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática
do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas
delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava
preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico
que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos
sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA
faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com
referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de
produção.
O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a
questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no
fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos,
antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para
construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.
Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas
estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a
despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e
empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e
construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.
(*) Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da
Carta da Terra.
Deu no Correio Braziliense
A “ultima hora”
De Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Neste domingo, a apenas uma semana da eleição presidencial, temos uma parte
menor do sistema político, uma parte importante (mas minoritária) da sociedade
e a maioria da “grande imprensa” em torcida animada para que a “última hora”
faça com que os prognósticos a respeito de seu resultado não se confirmem.
É natural que todos os candidatos, salvo Dilma, queiram que alguma reviravolta
aconteça. Os três partidos que dão apoio a Serra, o PV de Marina Silva, os
pequenos partidos de esquerda, todos torcem pelo “fato novo”, a “bala de
prata”, algo que a golpeie. Do outro lado, a ampla coligação que Lula montou
para sustentar sua candidata (e que formará, ao que tudo indica, a maioria do
próximo Congresso) espera que nada altere o quadro.
Hoje, Dilma lidera em todas as regiões do país, jogando por terra as análises
que imaginavam que as eleições consagrariam um fosso entre o Brasil “moderno” e
o “atrasado”. Era o que supunham aqueles que leram, sem maior profundidade, as
pesquisas, e acreditavam que Serra sairia vitorioso no Sul e no Sudeste,
ficando com Dilma o voto do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste. Não é isso
que estamos vendo.
Ela deve vencer em todos os estados, em alguns com três vezes mais votos que a
soma dos adversários. Vence na cidade de São Paulo, na sua região metropolitana
e no interior do estado. Lidera o voto das capitais, das cidades médias e das
pequenas. É a preferida dos eleitores que residem em áreas rurais.
As pesquisas dão a Dilma vantagem em todos os segmentos socioeconômicos
relevantes. É a preferida de mulheres e homens (sepultando bobagens como as que
ouvimos sobre as dificuldades que teria para conquistar o voto feminino), de
jovens e velhos, de negros e brancos. Está na frente entre católicos,
evangélicos, espíritas e praticantes de religiões afro-brasileiras.
Vence entre pobres, na classe média e entre os ricos (embora fique atrás de
Serra entre os muito ricos). Lidera entre beneficiários do Bolsa Família e
entre quem não recebe qualquer benefício do governo. Analfabetos e pessoas que
estudaram, do primário à universidade, votam majoritariamente nela.
É claro que sua candidatura não é uma unanimidade. Existe uma parcela da
sociedade que não gosta dela e de Lula, que nunca votou e que nunca votará em
alguém do PT. São pessoas que até toleram o presidente, que podem achar que é
esperto e espirituoso, que conseguem admirar aspectos de seu governo. Mas que
querem que Dilma perca.
Se, então, Dilma reúne ampla maioria no eleitorado e apoios majoritários no
sistema político, o que seria a “última hora”? O que falta acontecer, de hoje a
domingo?
Formular a pergunta equivale a considerar que o eleitorado ainda não sabe o que
vai fazer, que aguarda a véspera para se decidir. Que “tudo pode mudar”.
É curioso, mas quem mais acredita que os outros são volúveis são os mais cheios
de certezas, os mais orgulhosos de suas convicções. Mas acham que o cidadão
comum (o “povão”) é diferente, que é incapaz de chegar com calma a uma decisão
pensada e madura.
É fato que sempre existe uma parcela do eleitorado que permanece indecisa até o
final. Já vimos, em eleições anteriores, que ela pode oscilar, saindo de uma
candidatura e indo para outras. Conforme o caso, sua movimentação pode provocar
resultados inesperados, como ocorreu com o segundo turno em 2006.
Mas aquelas eleições também mostram como acontecem esses fenômenos de “última
hora”. Nelas, a única coisa que um quase uníssono da “grande imprensa” contra a
candidatura Lula conseguiu fazer foi assustar os eleitores mais frágeis, com
baixa informação e baixo interesse por política. Os dados indicam que os
eleitores mais informados e com alto e médio interesse em nada foram afetados
pela artilharia da mídia (assim como os sem nenhum, que nem ficaram sabendo que
havia “aloprados”).
Ou seja: aquela gritaria só fez com que as pessoas mais inseguras a respeito de
suas escolhas ficassem confusas, ainda que apenas por alguns dias. Mal começou
a campanha do segundo turno, Lula reassumiu as rédeas da eleição e avançou sem
problemas até a consagração no final de outubro. É como o título daquela
comédia: “Muito barulho por nada”
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