MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM JALES-SP
Procedimento Administrativo – Tutela Coletiva n. 1.34.030.000006/2010-76
RECOMENDAÇÃO Nº 91/2010
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com
amparo nos artigos 127 e 129, da Constituição da República, artigos 1º, caput ,
2º, caput, 5º, I, II, III, IV e V, 6º, XX e 8º, VII da Lei Complementar 75/93, e
CONSIDERANDO que ao Ministério Público incumbe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis;
CONSIDERANDO que o Ministério Público tem como funções
institucionais a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, em conformidade com a Constituição Federal,
artigos 127, caput, e 129, incisos II e VI, e Lei Complementar 75/93, artigo 5º;
CONSIDERANDO que dispõe o art. 129, inciso II, da
Constituição Federal ser função institucional do Ministério Público: “zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia ”;
CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público a expedição de
recomendações, visando a melhoria dos serviços de relevância pública, bem
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como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover,
fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (LC 75/93, art.
6º, XX);
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 196, caput, da
Constituição Federal: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação .” que determina a
prestação dos serviços do Sistema Único de Saúde DIRETAMENTE pelo Poder
Público;
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 197, caput, da
Constituição Federal: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através
de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 198, caput, da
Constituição Federal: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com di reção única em
cada esfera de governo (...)”
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 199, caput, e § 1º, da
Constituição Federal: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º -
As instituições privadas poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as
sem fins lucrativos ”, o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por
objeto o próprio serviço de saúde, como um todo, de tal modo que o particular
assuma a gestão de determinado serviço;
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 24 e seu parágrafo
único, da Lei 8.080/90, no sentido de “quando as suas disponibilidades forem
insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma
determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos
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serviços ofertados pela iniciativa privada” bem como que “a participação
complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou
convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público ”;
CONSIDERANDO que, nos termos do item anterior, no que tange
à participação da iniciativa privada na área da saúde, estabelecendo que, caso
as estruturas públicas não sejam suficientes para acolher toda a demanda do
SUS, fica autorizada a participação da inciativa privada, com sua capacidade
instalada, ou seja, com seus médicos, instalações, prédios, equipamentos, em
caráter complementar ;
CONSIDERANDO o que o poder público, na saúde, só deve
contratar serviços de terceiros quando os seus forem insuficientes para garantir
a saúde da população e em caráter suplementar;
CONSIDERANDO que, eventual contratação com a iniciativa
privada, tendo como objeto o próprio serviço de saúde, inobservando em sua
execução o dever de licitar, para a compra de material, a não realização de
concurso público, para contratação de pessoal, estaremos verificando exposição
da verba pública repassada ao contratado a risco de malversação, já que não se
faz exigências de efetuar gastos conforme os princípios da legalidade, da
economicidade, da eficiência, da publicidade, da impessoalidade e da
moralidade;
CONSIDERANDO que, embora possível a contratação de serviços
de assistência à saúde, desde que de forma a complementar, tal cont ratação
não significará que o poder público deva deixar de ter os seus próprios serviços
de saúde para só adquiri-los de terceiros, tampouco que ele abra mão dos seus
próprios serviços, extinguindo-os ou transferindo-os a terceira pessoa jurídica
para executá-los;
CONSIDERANDO que o termo de parceria com a OSCIP ISAMA
destoa do comando imposto pelos arts. 24 e 26 da Lei 8.080/90, porque,
através dele, o Município de Fernandópolis/SP simplesmente se furta à
prestação do serviço e o deixa tão somente sob a responsabilidade do
particular;
CONSIDERANDO que a Lei Orgânica da Saúde, quando admite a
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participação complementar da iniciativa privada no SUS, está pressupondo que
esta hipótese somente se dará “quando as disponibilidades (do Estado) forem
insuficientes para garantir a cobertura assistencial de determinada área”, ou
seja, apenas quando toda a capacidade pública instalada esteja plenamente
aproveitada e, ainda assim, seja insuficiente, estará autorizada o ingresso de
entidades privadas;
CONSIDERANDO que o termo de parceria celebrado possibilita a
sub-contratação de médicos, por meio de cooperativas, sem realização de
concurso público, situação que desmantela a estruturação das carreiras
públicas, bem como qualquer plano de cargos e salários, criando a balbúrdia
nas relações de trabalho e na organização dos serviços, em evidente afronta
aos artigos 37, caput e inciso X e 39, caput e § 1º da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que a celebração do termo de parceria com a
OSCIP ISAMA visa tentar isentar o Município de Fernandópolis/SP de
responsabilidades civis e trabalhistas, em desacordo com o entendimento do
Tribunal Superior do Trabalho, que em caso de inadimplência do prestador de
serviços, firmou entendimento que o Estado (tomador) é subsidiariamente
responsável pelas verbas trabalhistas devidas aos empregados contratados para
a realização do serviço de interesse público (Enunciado 331 do TST), fato que
pode vir a trazer prejuízo incalculável ao ente público;
CONSIDERANDO que o Plenário do Conselho Nacional de Saúde,
na Deliberação nº 001, de 10 de março de 2005, posicionou-se contrariamente
à terceirização da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor
saúde, assim como, da administração gerenciada de ações e serviços, a
exemplo das Organizações Sociais (OS), das Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs) ou outros mecanismos com objetivo idêntico, e
ainda, a toda e qualquer iniciativa que atente contra os princípios e diretrizes
do Sistema Único de Saúde (SUS);
CONSIDERANDO que tramita nesta Procuradoria da República
em Jales o procedimento administrativo de Tutela Coletiva
n.1.34.030.000006/2010-76, instaurado para apurar eventual irregularidade na
contratação de funcionários na área da saúde pública municipal, pelo prefeito
municipal de Fernandópolis/SP, Luiz Vilar de Siqueira, através de termo de
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parceria com OSCIP – Organização de Sociedade Civil de Interesse Público;
CONSIDERANDO os milhões de reais repassados à entidade
privada contratada para a gestão da saúde municipal, fato que impõe ao ente
público ainda maior diligência na gestão da res pública;
CONSIDERANDO que foi constatada relação de parentesco entre
funcionários da OSCIP e autoridades locais, a citar alguns vereadores do
Município de Fernandópolis, quais sejam, a funcionária Cinthia Alves Nogueira e
a vereadora Cândida Jesus Silva Nogueira, a funcionária Izabela Borges Garcia
Gomes e a vereadora Neide Nunes Borges Garcia Gomes, o funcionário Diego
Ruan Pântano e o presidente da Câmara Municipal Dorival Pântano;
CONSIDERANDO que a constatação de vínculo entre alguns
contratados e vereadores locais é indicativo mínimo, sem prejuízo de que out ros
servidores e autoridades, não apenas das esferas de Poder Municipal, também
tenham sido contratados, da fragilidade do sistema de contratação realizado;
CONSIDERANDO que a situação mencionada nos itens
anteriores atenta, diretamente contra os postulados insculpidos no artigo 37 da
Constituição Federal, especialmente a impessoalidade, legalidade e, quiçá,
eficiência, podendo atentar, diretamente contra os parâmetros basilares da
administração pública;
CONSIDERANDO que a situação relatada aponta para
inobservância ao dever de contratação de pessoal para a atividade-fim do
estado por concurso público ou outro meio hábil e legalmente permitido,
afrontando diretamente a competitividade na seleção de recursos humanos para
o desempenho de serviço público, o princípio da impessoalidade e, sobretudo,
tolhendo a possibilidade de que dezenas de pessoas, com habilitação técnica
para tanto, pudessem ter acesso aos cargos públicos, por meio de concurso
público;
CONSIDERANDO a forma de seleção adotada pela
municipalidade para contratar a OSCIP, consistente em licitação na modalidade
concurso, que embora tenha tido apenas 2 (dois) pretensos concorrentes (o que
já seria pouco) teve, de fato, apernas 1 (um) interessado comparecendo, visto
que uma das entidades teria perdido o prazo para a apresentação de
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documentos;
CONSIDERANDO que a situação tratada no item anterior, tendo,
de fato, apenas uma entidade concorrente, não atende aos critérios
estabelecidos pela Constituição Federal e pela Lei 8.666/93, indicando total e
absoluta afronta ao dever de licitar da Administração, à competitividade dos
concorrentes em seleção pública, bem como real possibilidade de
direcionamento da contratação da OSCIP ISAMA (única participante habilitada
na licitação);
CONSIDERANDO, por derradeiro, que a situação tratada em
todos os itens anteriores nos remete, indefectivelmente, à real possibilidade de
inobservância de inúmeras diretrizes constitucionais e legais, ao não
atendimento das imposições trazidas pelos princípios mais básicos que norteiam
a administração pública, bem como remetem à real e cristalina possibilidade de
cometimento de atos de malversação do dinheiro público e de atos de
improbidade por autoridades locais;
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com o objetivo de garantir
os direitos constitucionais e legais mencionados e, especialmente, resguardar o
acesso à saúde, resolve, com fundamento no art. 6º, XX, da Lei Complementar
75/93, RECOMENDAR ao Prefeito do Município de Fernandópolis/SP, Luiz Vilar
de Siqueira, sem prejuízo da adoção de outras medidas que julgue necessárias,
QUE:
a) suspenda, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias , a
execução do Termo de Parceria celebrado entre a Prefeitura Municipal de
Fernandópolis/SP e a OSCIP Público Instituto de Saúde e Meio Ambiente –
ISAMA;
b) que o Município de Fernandópolis/SP, reassuma diretamente,
no prazo máximo de 60 (sessenta) dias , a direção estratégica e a gestão
operacional dos serviços essenciais de saúde transferidos à OSCIP Público
Instituto de Saúde e Meio Ambiente – ISAMA pelo Termo de Parceria n°
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01/2009/SMSF, cessando os repasses de recursos financeiros a essa entidade;
c)reassuma, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias , a
prestação do serviço público de saúde à população em todos os
estabelecimentos próprios que tenham sido objeto de repasse a organizações
sociais, assegurando a continuidade dos serviços, cessando os repasses de
recursos financeiros a essas entidades;
d) anule todo e qualquer contrato de gestão que tenha sido
firmado pelo Município de Fernandópolis/SP com entidades privadas tendo por
objeto a prestação de serviços públicos de saúde que, antes do respectivo
contrato ou ajuste, fossem prestados diretamente pelo Município;
e) determine, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias , dar
início a processo seletivo, com publicação de edital de concurso público,
objetivando contratar os servidores para preenchimento das vagas ora ocupadas
pelo pessoal contratado diretamente pela OSCIP, observando-se, sempre, o
dever de continuidade na prestação dos serviços públicos de saúde em questão
pelo Município de Fernandópolis/SP;
f) se abstenha, doravante, de contratar entidades privadas para
fins de atuação no Sistema Único de Saúde, bem como de firmar contratos de
gestão com essas entidades que tenham por objeto a prestação de serviços
públicos de saúde atualmente desenvolvidos diretamente pelo Município;
g) se abstenha de ceder servidores públicos, com ou sem ônus
para o erário, e bens públicos, para entidades privadas, inobservando as
determinações constitucionais, legais e infralegais;
h) comunique, no prazo de 15 (quinze dias) dias , esta
Procuradoria da República acerca das medidas concretamente adotadas para o
cumprimento dos itens anteriores , sob pena da adoção das medidas cabíveis; e
i) Por fim, faz-se impositivo constar que a presente
recomendação não esgota a atuação do Ministério Público Federal sobre o tema,
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não excluindo futuras recomendações ou outras iniciativas com relação aos
agentes públicos responsáveis, bem como com relação aos entes públicos e
privados com responsabilidade e competência no objeto, especialmente no que
se refere à responsabilização dos agentes públicos por atos passados e,
eventualmente, futuros nos campos criminais, da improbidade administrativa e
civil, inclusive mediante o manejo das medidas necessárias para a eventual
recomposição do erário frente ao desfalque de valores eventualmente
malversados .
Jales/SP, 24 de maio de 2010.
THIAGO LACERDA NOBRE
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